Em grande parte dos casos, os crimes contra a dignidade sexual – principalmente estupro e assédio sexual – ocorrem na clandestinidade, em ambientes reservados, com a presença exclusivamente da vítima e do autor do fato.
Por esse motivo, há uma grande dificuldade em provar os fatos, visto que, salvo raras exceções, não haverá testemunhas ou provas documentais da ocorrência do crime.
Somente no ano de 2018, segundo dados levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cerca de 180 estupros aconteceram por dia no Brasil. Mais da metade deste número corresponde a abusos de crianças com menos de 13 anos de idade.
Diante desta realidade e das dificuldades de processamento dos crimes contra a dignidade sexual, o Superior Tribunal de Justiça vem, ao longo dos últimos anos, firmando cada vez mais o entendimento de que a palavra da vítima deve tomar especial relevo no julgamento deste tipo de crime:
“Nos moldes da jurisprudência desta Corte, nos delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, a palavra da vítima possui especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas que instruem o feito, situação que ocorreu nos autos”
Quinta Turma, HC 643674/SP, STJ
Neste sentido, por exemplo, não é indispensável para a condenação do agressor que a vítima passe por perícia. Contudo, a versão da vítima precisa ser sólida e coerente ao longo de todo o processo, não podendo ser dissonante de outros elementos de prova que eventualmente venham a ser produzidos.
Nesse sentido, no ano de 2020, o Superior Tribunal de Justiça manteve a absolvição de um acusado pelo crime de estupro de vulnerável, uma vez que as versões das vítimas foram se modificando ao longo do processo, ao mesmo tempo em que apresentavam contradições com os demais elementos de prova dos autos:
“Como se vê, a Corte de origem, soberana na análise do material fático e probatório dos autos, concluiu que não há provas concretas de que o réu tenha cometido os crimes que lhes foram imputados, tendo destacado a existência de inúmeras contradições no acervo criminal no decorrer da instrução”.
Quinta Turma, AgRg no AREsp 1595939/GO, STJ
Dessa forma, por mais que a palavra da vítima seja a principal prova nos crimes contra a dignidade sexual, ela não poderá sustentar uma condenação criminal se for alterada constantemente ou se a versão da vítima for contraditória se comparada a outros elementos que possam surgir ao longo do processo.